top of page
LOGO_JULIADEQUEIROZ.png

À MARGEM. EMERGINDO A INDIFERENÇA

2019

Projeto para Atelier de Arquitetura Utópica

Localização: Lagoa de Jacarepaguá, Curicia/Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, Brasil

Equipe: Camilla Rocha e Júlia de Queiroz

Orientação: Gabriel Duarte, Leonardo Lattavo, Luciano Alvares e Marcos Favero

Como re-conhecer algo que não se pode tocar? 

Convidando à imersão sensorial nas águas, buscamos emergir em cada sujeito a identidade do agente, ou seja, o sujeito público e cidadão consciente, através de uma nova reflexão do mesmo quanto ao seu papel na construção das camadas da paisagem.

A medida em que a cidade coleciona suas memórias, ela muitas vezes oculta parcelas do território em detrimento de outras. A Lagoa de Jacarepaguá é um desses lugares contornados ao longo do tempo. Vista apenas de longe, somente é percebida em sua realidade quando incomoda.

A proposta, à beira do Parque Olímpico, visa re-intro- duzir a Lagoa como protagonista ao intervir o mínimo possível sobre sua preexistência, de modo a não criar novos elementos apartados de sua presença, como di- versos feitos até então, e sim re-conectar o sujeito em seu lugar de memória, almejando que ele possa habitar, em seu sentido mais literal, e gradualmente perceber suas ações sobre essa paisagem.

O que sentir de onde não se pode estar? 

A indiferença aos corpos hídricos é histórica no Rio de Janeiro, e não foi diferente na ocupação circundante ao Complexo Lagunar de Jacarepaguá. Embora o projeto inicial de urbanização para a Barra, desenvolvido por Lúcio Costa, vis- asse a preservação dessa construção natural, a realidade é que as Lagoas foram contornadas e postas à margem, não apenas fisicamente como no imaginário público. 

A Lagoa, poluída, emite gases que atingem às mucosas, gerando irritação e olhos lacrimejantes. Mal-cheirosa e borbulhante percebemos ela.

Ao pesquisarmos “Lagoa de Jacarepaguá” em mecanismos de bus- ca, diversas fotos aparecem expondo um bela paisagem natural, a mesma vendida pelos empreendimentos imobiliários que surgem ao redor. Entretanto, as sensações deflagradas pela Lagoa -- apreendidas por nossos sentidos, sobretudo o olfato ao sentirmos o odor exalado pela sua degradação orgânica -- sensibilizam sua real história, expondo sua paisagem em suspeita, negada em nome da imagem. 

 

Esse contexto nos leva a buscar re-apresentar a narrativa da história desse lugar, traçando uma transição espacial que simbolicamente explicite o problema do tangenciamento à Lagoa que ocorre ao observá-la de longe, sem de fato percebê-la. Através da passagem por sentimentos; como vislumbre, percepção, repulsão/atração, empatia e reflexão; almejamos o re-encontro entre sujeito e paisagem. 

 

Em nossa proposta trabalhamos, então, com a exposição de uma possibilidade ao introduzirmos um questionamento em nosso sujeito: o que fazer? Percebemos o valor dessa intervenção dentro do escopo do urbanismo tático ao apresentar um novo senti- do imaginado, re-escrevendo a condição de lu- gar por muito tempo negada.

A partir do interesse de utilizar as sensações provocadas pela lagoa como instrumentos de conexão entre ela e o sujeito, percebemos a relevância da intervenção a ser feita de modo a re-apresentar a oportunidade da escala do corpo, tocada em momento algum hoje. 

Escolhemos como nosso ponto de implantação o Cabo da Pombeba, único local público de acesso à Lagoa com alguma projeção, visto que lá está instalada a Cidade Olímpica, fruto dos grandes eventos e empreendimentos recentes nas margens. A mega-escala impera nesse es- paço, os corpos apartados do contexto. Embora o traçado da urbanização aponte, com sinuosidade de um promenade, para a Lagoa; ao chegar próximo a ela, sua verdade não é revelada: o píer vislumbra a paisagem, mas vela seu lado renegado.

Do píer, discretamente apresentamos nossa proposta: chegar perto, estar onde não se poderia. Com uma largura de 2 metros, nossa intervenção expressa uma clara redução de escala, como um foco. 

Tomada a decisão, o sujeito segue por um percurso 70 metros adentro da Lagoa. A decisão de desenho pelo traçado reto busca despertar a angústia, em que a todo momento é preciso escolher entre o dar para trás e o seguir em frente. Como uma prancha de navio, na ponta da qual um reflexão é obrigatória. 

De forma a intensificar as percepções e a ambígua atração/re- pulsão gerada pela bela vista e a água mal-cheirosa e borbulhante que se descobre, adentramos não somente sobre a superfície, mas imergimos gradualmente o corpo nas águas: sem nunca de fato tocá-las. O ato de estar mergulhando, como muitos fizeram no passa- do, mas sem fazê-lo em sua plenitude, é mais uma forma de levantar questionamentos e revoluções ao longo do caminho, assim como gerar o incômodo constante ao perceber-se circundado pelo, agora, sabido lodo e sujeira. 

Aprofundando-se nesse dilema, agora já apenas com nariz, olhos e boca afora, o sujeito chega ao fim da linha. Sessenta metros percorri- dos e defronta-se com uma parede de concreto, porosa ao toque, mas claramente não líquida. Dura, no fundo escuro da Lagoa, e é isso. E agora? Essa é a pergunta final de tudo. O que fazer? 

Sair da margem. 

julia.queica@gmail.com | +55 21 981686138

bottom of page